27 de março de 2011

Dia Mundial do Teatro

Hoje é o Dia Mundial do Teatro.
Podíamos escrever um texto a esse respeito, mas não vamos fazê-lo. Não porque a efeméride não seja digna de tal acto, porque o é. Não vamos fazê-lo porque já alguém o fez, e de uma forma tão sublime que nada temos a acrescentar. Falamos de uma escritora que nos é muito querida, a quem a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) pediu, este ano, que escrevesse a Declaração do Dia Mundial do Teatro: Margarida Fonseca Santos. Transcrevemos, por isso, as suas palavras, enaltecedoras não só desta forma de arte, como de um dos principais direitos de todo o ser humano - a LIBERDADE.


Dizer onde começa e acaba o fascínio do teatro é, para mim, dizer onde começa e acaba o fascínio pela vida, pela interacção entre pessoas, culturas, hábitos adquiridos ou impostos, liberdades conquistadas ou suprimidas. Dizer qual é o papel do teatro nos dias de hoje, como sempre, é realçar o papel de tornar visível o que a mente pode não conseguir ou não se atrever a ver, trazer à emoção os sorrisos adivinhados e sentidos, trazer à luz da sociedade as dores infligidas e sofridas, mesmo até as que são aceites e as que não nos atrevemos a rejeitar. O teatro é, e sempre será, o palco onde a vida se pode mostrar e onde se constrói vida para além da que vivemos, levando-nos a sonhar, equacionar e arriscar. Para mim, é isto o teatro.
Quis o meu percurso pela dramaturgia que me cruzasse com assuntos ligados ao conhecimento e também à memória do nosso país. Aceitei o desafio de trazer para o palco datas e personalidades deste lugar a que chamo o meu país. Assim, cruzei-me com Pedro Álvares Cabral e Pêro Vaz de Caminha, com os destemidos aviadores, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, escrevi sobre a vida deste povo que se espalhou pelo mundo para que não seja esquecida. Mas também me cruzei com a história mais recente, escrevendo sobre a crise académica de 1962, sobre D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, e sobre a filha do último Director da PIDE, Annie Silva Pais. Nestas três últimas peças, um denominador comum, que o 25 de Abril veio derrubar – a ditadura que reinou em Portugal.
A Revolução dos Cravos apanhou-me no liceu, mas já antes me vira confrontada com familiares perseguidos e presos, aprendendo como a tortura e a asfixia do pensamento imperaram durante quarenta e oito longos anos. Foi uma revolução branda, embora incontornável, impondo a liberdade através de caminhos que nunca antes havíamos experimentado. Para trás ficaram anos onde a brandura não teve lugar na forma como se trataram os opositores ao regime.
Abracei estes desafios porque acredito que o teatro tem a função de relembrar o que aconteceu, para que o adormecimento das recordações não ganhe espaço no nosso viver. Servi-me da ficção para contar as verdades, servi-me da verdade para ficcionar as histórias em palco. Construí estes textos para que as gerações mais novas não esqueçam o papel da liberdade na vida que levam, mas sobretudo para homenagear todos aqueles que, levantando-se contra a ditadura, perderam a sua liberdade, a sua pátria e até a sua vida.
Acredito que, hoje e sempre, o papel do teatro é manter viva a memória do que fomos e somos, do que sofremos e ganhámos, do que podemos sonhar e construir porque houve quem lutasse por nós, anos a fio, porque conquistámos a liberdade de falar e crescer. No momento em que, como dramaturga, me vejo a caminho do banco dos réus por ter levado à cena o tema da opressão fascista, recuso-me a aceitar que alguma vez tenha de calar esta obrigação cívica. Continuarei, sempre, a trazer para o palco a coragem daqueles que lutaram pela nossa liberdade.

Margarida Fonseca Santos

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